SIGAM-ME OS BONS

A QUEM POSSA INTERESSAR

A maior parte dos textos aqui citados (por razões óbvias) não tem a autorização prévia dos seus legítimos proprietários. Entretanto, o uso neste blogue deve-se apenas a razões estritamente culturais e de divulgação, sem nenhum objetivo comercial, de usurpação de autoria e muito menos de plágio. A administradora do ARMADILHAS DO TEMPO pretende apenas expressar a sua admiração pessoal pelas obras e pelos autores citados, julgando assim contribuir para a divulgação da arte, da literatura e da poesia em particular. A ADMINISTRAÇÃO DO ARMADILHAS DO TEMPO respeitará inteiramente a vontade de qualquer autor que legitimamente manifeste a vontade de retirar qualquer texto aqui postado.

domingo, 17 de abril de 2011

MUITO MAIS GRAVE

Todas as parcelas da minha vida têm algo teu
e isso na verdade não é nada de extraordinário
tu o sabes tão objectivamente como eu
no entanto há algo que gostaria de clarificar
quando digo todas as parcelas
não me refiro somente a esta de agora
a esta de esperar-te e aleluia encontrar-te
e caralho perder-te
e voltar a encontrar-te
e oxalá nada mais

não me refiro somente a que de repente digas
vou
chorar
e eu com um discreto nó na garganta
bom chora
e que um lindo aguaceiro invisível nos ampare
e talvez por isso venha em seguida o sol

não me refiro somente a que dia após dia
aumente o stock das nossas pequenas
e decisivas cumplicidades
ou que eu possa ou acreditar que possa
converter os meus reveses em vitórias
ou que me faças o terno presente
do teu mais recente desespero

não, a coisa é muitíssimo mais grave
quando digo todas as parcelas
quero dizer que para além desse doce cataclismo
também estás a reescrever a minha infância
essa idade em que se diz coisas
adultas e solene
e os solenes adultos as celebram
e tu ao invés sabes que isso não serve

quero dizer que estás a rearmar a minha adolescência
esse tempo em que fui um velho carregado de receios
e tu sabes ao invés extrair desse páramo
o meu gérmen de alegria e regá-lo olhando-o
quero dizer que estás a sacudir a minha juventude
esse cântaro que ninguém nunca tomou entre as suas mãos
essa sombra que ninguém aproximou da sua sombra
e tu ao invés sabes estremecê-la
até que comecem a cair as folhas secas
e fique a armação da minha verdade sem proezas
quero dizer que estás a abraçar a minha maturidade
esta mistura de espanto e experiência
este estranho confim de angústia e neve
esta vela que ilumina a morte
este precipício da pobre vida
como vês é mais grave
muitíssimo mais grave
porque com estas ou com outras palavras
quero dizer que não és somente
a querida rapariga
que és
mas também as esplêndidas
ou cautelosas mulheres
que quis ou quero
porque graças a ti descobri
(dirás que já era tempo
e com razão)
que o amor é uma baía linda
e generosa
que se ilumina e se escurece
conforme venha a vida
uma baía onde os barcos
chegam e vão embora
chegam com pássaros e augúrios
e vão embora com sereias e neblinas
uma baía linda e generosa
onde os barcos chegam
e vão embora
mas tu
por favor
não vás embora.

Mario Benedetti

Nenhum comentário:

Postar um comentário