Ao requebrar dos quadris de todo dia, carrego minhas quinquilharias. Coisas pequenas que só a mim dizem respeito. Uma foto dele, da família e o chapéu que compramos em nossa viagem. A única. Carrego também, por pura sorte, minha lucidez e zombaria. Dizem que nada se leva dessa vida. Então não acumulo. Vivo tudo. Até os pormenores. Entretanto, se existe algo que eu faço questão de guardar, são os restos que ele deixou para trás. As miudezas de um homem somente sua mulher é capaz de retesar. Não era meu marido. Nunca ousou me apresentar ao público. Mas era eu quem o tomava de conta. Tomava aos goles aquele homem que hoje morre. Mas não é de morte morrida, como dizem. Decidiu casar-se de novo. Deixou a mulher que há tanto o conduzia por esta vida, largou os filhos e foi morar com a outra. E que não sou eu. Eu era apenas uma parte avulsa de suas estripulias. Ele costumava dizer que me amava e sempre me presenteava com coisas tão simplórias. Pequeninas. Nada se equivaliam ao amor que eu sentia. Eram jóias falsas, porta-copos, aventais de cozinha. Que mulher pode se contentar com tal presente? Na época, em plena paixão, eu gostei. Trajei o avental em uma de nossas noites de loucura. E agora nada tenho. A não ser o sentimento de ser pequena com relação ao mundo que ele ostenta. Poderia me matar e escrever carta culpando o homem. Mas seria ridículo para mim por ter sido deixada pelo homem a quem devotei anos de minha juventude acreditando que, um dia, ele seria meu. Hoje sinto a vista embaçar só de pensar que ele esteve comigo, que eu me deixei ser deste homem diminuto, pequeno e avarento que hoje casa na Igreja de São Bento e leva ao altar outra ninharia fêmea em meu lugar. Sinto muito ao dizer que joguei minha vida fora e me tornei vulgar. ´
Letícia Palmeira
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