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quinta-feira, 31 de março de 2011

DANCING QUEEN


Da mesa de bar, enquanto espero, sinto o faro dos homens, os tolos, os solitários lobos desdentados, leões grisalhos, matilha de infelizes.

Não há ponteiros no relógio. Vítima e vitrine, sou o tempo e todos os dias que ainda não fui.

Mais um gole. Conversas e espreitas. Nada do que entendo é real. Fagulha de existência, num imenso universo de mim. Tempo de me perceber e a outros rostos. Vejo um desfile de agonias, abafadas pela música alta, disfarçadas pelos níveis de álcool no sangue, dribladas por torpes galanteios sem intenção de afeto.

Sangue! Eu quero o sangue! Quero o vermelho da paixão, a ingenuidade dos olhares plenos, a delicadeza dos toques preocupados, a singeleza de pedir por carícias sem palavras.

Carne! Sim, também quero a carne! Mas não essa carne de liquidação, de ponta de estoque, mais barata por pequenos defeitos de fábrica. Quero a carne fresca, tenra, rosada. A carne regada a vinho, o vinho que vem da sede de entrega e cumplicidade.

Alma! Uma alma limpa. Uma alma desse mundo. Uma alma que me tomasse pela mão e me fizesse esquecer o tempo.

Aqui, nessa mesa de bar, enquanto espero, sinto a solidão de purgatório, a que os homens se impõem. Uma pena, um autoflagelo, uma confusão desnecessária. Bebe-se muito, come-se muito, dança-se muito, fuma-se, cheira-se, pica-se muito, faz-se muito sexo, faz-se muita ironia, muito desdém. Mas faz-se pouco, doa-se pouco, fala-se pouco, ouve-se pouco.

Não há folhinhas em meu calendário. Os dias passam de trás para frente, de frente para trás, ao som de rock, blues, techno. Boleros, tangos, minuetos. Minha vida seria um soneto, um terceto, uma trova. Por ora, um verso inverso, uma prosa, uma drusa.

Já me sinto confusa, talvez do vinho que não fui bebida. Talvez da espera ao longo da vida.

Vida... Longo...

Não! É curta e passa, está passando, estou passando.
É quando o homem — de terno branco e pele negra — me sorri pérolas e me oferece a mão rochosa. Nele, o tempo é verso e prosa.

Levanto-me canção e bailo descalça, imersa em saudade. Danço a música que me orquestra. Deslizo em tapetes de metas, planos e vontades. Decido doar o relógio e o calendário. Ouço as notas que ninguém percebe. Ali, num segundo, eu sou eterna.

Lílian Maial


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