Como vou contar essa história para vocês?
É difícil falar de coisas diferentes. Então já vou logo dizendo
que não existe ninguém que não tenha uma coisa só dele, escondida, bem
diferente. Ela se esconde debaixo da roupa, no fundo do coração ou num cantinho
da cabeça. E pode ser uma verruga enorme nas costas, uma perna mais fina que a
outra ou até mesmo uma vontade esquisita de morder uma flor ou uma pessoa.
O menino dessa história se chama Léo, é igual a todo mundo, só
que de vez em quando, sem ele querer, escapam do seu corpo magricelo e
superbranco borboletas de vários tamanhos - todas coloridas e sempre
apavoradas.
Faz tempo que ele sofre e tem a maior vergonha delas. Por causa
disso vive se escondendo dos outros, está mais calado a cada dia, parece até
aquelas crisálidas, que não voam e ficam hibernando dentro de um casulo.
Léo usa sempre cachecol porque já saiu borboleta dourada do seu
pescoço. Fala o mínimo que pode, principalmente à noite, porque uma vez chegou
a urinar três borboletas amarelas, molhadas e cherosas.
Às vezes o sol, os outdoors, os postes de luz, os heróis de
cinema e das histórias em quadrinhos, os vilões mais simpáticos do mundo
inteiro gritam para ele:
-Léo, respira fundo e mostra esse monte de borboleta para as
pessoas.
Ele nunca escuta e não é para menos - afinal não é simples sair
por aí contando para todo o mundo que um dia ou outro escapa uma borboleta de
algum lugar de nós. Acho que só uma vez ele ficou em dúvida se mostrava ou não
mostrava. Foi quando o vento, que nesse dia estava enlouquecido de tanta
ventania, ordenou: "- Seja homem, rapaz, e assuma!"
E, no mesmo instante, uma árvore quase sem folhas e quase sem
ar, por causa de todo o atropelo do vento, alertou: "-Não seja besta,
garotão, que soltar borboleta do corpo não é coisa que a gente vai dizendo para
qualquer um, assim sem mais nem menos, não."
Léo se encolheu todo, chegou a se ferir, quase esmagou uma
borboleta rajada que estava saindo do seu dedo indicador e acabou ganhando com
isso uma tremenda cicatriz na palma da mão esquerda.
O pai, a mãe e o irmão do Léo não têm esse problema, mas
entendem e não tocam no assunto. Com a maior das boas intenções, eles fingem
que não existem borboletas e é por isso que o Léo fica muito ofendido.
Acho que vocês estão entendendo o problema do menino e vão
entender mais ainda quando eu contar que tudo isso aconteceu só até ontem. É
que a Ana Cláudia, uma garota linda e negra como asa de mariposa, com mil
trancinhas e miçangas, olhar dengoso e boca de pedir beijo, chegou e foi logo
tirando uma borboleta azul com duas antenas xeretas de trás da orelha do Léo.
E, soltando o pequeno inseto, convidou: "- Hoje, você vai me dar a mão e
entrar comigo na aula!"
É claro que o Léo perguntou na hora: "- E por que justo
eu?"
"- Sei lá, é que eu adoro as tuas borboletas."
Foi então que ele teve a impressão de ver saindo daquela
cabeleira crespa e felpuda como lã, lá de dentro de umas trancinhas, o bico de um beija-flor bem atrevido. Certeza ele não teve, mas sorriu respirando fundo,
apertou a mão dela e pela primeira vez deixou voar livremente uma borboleta
tímida e muito apressada do seu umbigo.
Eu também não sei direito para onde essa última borboleta ia e
por que tanta pressa. Agora, se vocês quiserem saber a minha opinião, ela bem
que podia estar com hora marcada para o amor que, se não tem a cara de
borboleta, vive voando de coração para coração.
Marcia, lindo post. Parabéns pela bela escolha.
ResponderExcluir" se não tem cara de borboleta, vive voando de coração para coração",pura ternura esta frase.Faz a gente voar feito borboleta.
Seja feliz.Um ótimo domingo.Bjs Eloah