Os dedos miúdos seguraram com leveza o papel de seda cor de sol e o riso se intensificou, até atingir os olhos. Havia dois gravetos cuidadosamente postos na mesa, em forma de cruz, cola e um arco-íris pra rabiola. O menino era doce, paciente e cuidadosamente fez sua pipa, sem pressa em terminá-la, sem anseios em vê-la voar. Enquanto colava o sol no palito, falava de fins de tarde, declamava Quintana e cantava Hermanos e, muitas doçurinhas depois, a pipa flutuava, pronta, entre seus dedos gentis. Ele a levou para passear, em dias de chuva, em dias sem vento. Mostrou o mundo, daqui debaixo, e num sussurro, cantou que era hora de voar:Sinta a cor do vento no rosto, pipa. E, mesmo sem tanto vento, arriscou pô-la no céu. Segundos e ela alçava vôo, piruetava e dançava. Do alto, a pipa perguntava por que o menino não se punha a voar com ela, mas ele lhe sorria e lhe dava corda. E pipa foi voando mais alto, sentindo a música passar por ela, sentido anseio de voltar pra terra e sentindo medo de perder o vento. Dito e feito. Num descuido do menino e na coincidência do tempo, a pipa caiu com tudo ao chão, sujando seu sol de cinza e abrindo um pequeno rasgo do lado esquerdo. O menino aninhou-a, então. Refez o buraco machucado e tentou, teimoso, devolvê-la ao vôo. Pipa subia, descia e quase caia outra vez. E antes de se esborrachar outra vez no concreto, lá vinha o menino, sereno, com os braços estendidos e a segurava, sussurrava, e voltava a erguê-la ao céu. E dava corda. E mais e mais corda. Mas o menino nunca saia do chão...
Maria Fernanda Probst
Nossa Fê! Como você escreve bem! Eu seria capaz de permanecer lendo continuamente seus textos por horas e horas...! Eis que receba mais uma fã!
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