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sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

O PROBLEMA DE NASCER POBRE




Venho de uma família que classifico como classe pobre alta, para evitar a overdose de mediocridade do termo classe média-média ou o termo quase ofensivo que encerra o termo classe média baixa. Em termos práticos isso significa, em escala macro, dormir com todos os irmãos num mesmo quarto, ter um único banheiro na casa inteira, só tomar guaraná em festa de aniversário e sair uma vez por ano para comprar sapato novo, caso não tenha sobrado nenhum sapato das primas naquela safra para você herdar. No universo micro, os sintomas clássicos de pobreza são aqueles criados por meu amigo humorista Oscar Pardini, como esquentar a ponta da caneta bic pra que ela volte a funcionar, costurar buraco na meia, lamber a tampa do requeijão e colar os óculos quebrados com durex.

Apesar das vantagens inenarráveis que este tipo de criação nos traz, como a vontade de subir na vida, o desenvolvimento da criatividade para inventar o que não se tem e aprender a rir da própria desgraça, as seqüelas que a privação de conforto, infra-estrutura e acesso à cultura e saúde nos trazem são eternas, começando com a dentição. Pessoas que tiveram uma infância como a minha sabem muito bem que dentista era sinônimo de Tiradentes, porque a opção mais fácil, rápida e barata para qualquer problema dentário era, literalmente, a de extrair o mal pela raiz. A perda dos dentes acontecia também porque a escova era um bem eterno, uma pra cada vida; a água não tinha flúor, a pasta era vagabunda e fio dental não fazia parte da cesta básica de sobrevivência. As privações cosméticas eram totais. Desodorante, só depois da puberdade, quando os hormônios assim o exigissem. Shampoo era só de ovo, 1010 da Bozzano e condicionador era chamado de creme rinse. Quando tinha.

Em geral, como diz minha amiga Yara Grottera, evidencia-se um adulto que foi pobre facilmente: é aquele executivo que não fala inglês, não sabe nadar. Por acaso falo inglês e nado bem, mas por nunca ter tido uma bicicleta sou péssima nos pedais. Sem contar que pobre só toca música de for de ouvido. Mas é a falta de acesso à cultura que mais se evidencia na vida adulta de quem se insere no mercado de trabalho. A falta de intimidade com facas para peixe, o total desconhecimento da existência de um talher para comer escargot, a surpresa ao saber que existe um copo para cada bebida, são apenas alguns exemplos gastronômicos.  Os aspectos que mais me fazem falta são os culturais. Não ter tido livros na infância, não ter ido ao cinema na puberdade, não ter lido os clássicos na adolescência, não ter viajado na fase de jovem adulta, deixam lacunas imensas na alma de quem tem sede de conhecimento. Ainda hoje, para fazer uma analogia com o mundo da informática, vejo-me em situações em que a vida me oferece um arquivo mas eu não tenho o aplicativo correspondente para poder abrí-lo. Não basta ter dinheiro para comprar os esquis, tem que saber esquiar. Tem que ter visto neve. Tem que não ter medo de avião.

Claro que é pior ficar pobre por toda vida, claro que a miséria verdadeira não é esta que descrevo, claro que do pó nascemos, ao pó voltaremos e desta vida não vamos levar nada. No final, não vai fazer diferença. Mas estamos no durante. E aqui, é fácil ver que o caminho de quem começa parece ter menos pedras e mais sombras para descansar. Claro que hoje choro de barriga cheia. É que de tanto fazer esforço, a gente acaba conseguindo uma graninha extra para pagar a ginástica e tentar esvaziá-la.

Bom dia. Válido para qualquer ocasião. E classe sócio-econômico-cultural.

Rosana Hermann é cronista do Blônicas

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