POR MÁRCIA TOITO
Um dia você vai saber que tem alguém lá no alto da montanha esperando pra descer. Nesse dia, enquanto você sobe pra me ver, vai lembrar por quais motivos eu cheguei até aqui. Vai buscar atalhos e tatear fendas, parar pra descansar. Sentir que o caminho é sofrido e cansa. Que o sol é mais quente do que parece e que a chuva geralmente cai quando não podemos nos abrigar. Apesar de tudo e por causa de um bem maior vai entender que só o topo é o que importa.
Você ainda não notou que sozinho não sei descer. Na verdade nem se lembra mais de mim. Apenas quer saber quem é que está lá em cima e porque não desce mesmo depois de tanto tempo.
Eu não tenho pressa. Estou me recuperando do cansaço, das feridas que não param de doer. Enquanto isso desfruto do poder abençoado das paisagens. Organizo meu pensar e meu querer é revisto a cada mudança de vento. Posso, nesta solidão em que me encontro ponderar os apelos da subida, o meu gostar desmedido.
A visão privilegiada motiva a transferência de valores. Permite que eu encontre o que realmente vale a pena e me mostra exatamente onde encontrar a felicidade. Melhor ainda, sei agora onde não encontrá-la.
Daqui tenho o poder da antecipação, sinto cheiro da chuva antes da primeira gota e a luz do sol antes mesmo que brilhe. Sou um mini DEUS, um ser diferente daquele que veio da planície, buscando um encontro aqui no topo.
Por que não fica aí em cima então, já que conhece o endereço da felicidade e o poder da antecipação traz poderes interessantes? Você que me leu até aqui tem o direito de perguntar.
Desfrutar de tais privilégios é mérito de poucos e desejo de muitos. Eu encontrei tudo isso aqui. Entretanto o que vim mesmo buscar foi você. Pensei que estivesse logo atrás de mim enquanto subia . Mas alguma coisa no caminho fez com que você mudasse o rumo. Quando vi já não tinha mais você perto de mim. O bom é que deste ponto de vista tudo fica muito pequeno. O referencial é outro e o meu gostar é só um grão comparado ao que posso conhecer.
Mesmo assim seu calor ainda me aquece e eu ainda preciso e quero que venha me buscar! Não pelos motivos que me fizeram subir, pois que estes viraram sementes de esperança durante a escalada, quero ver se brotaram enquanto desço. Mas porque entendo que meu lugar não é aqui. Estou agora vendo de longe o que de perto nunca enxerguei ou o que deixei de ver quando quis tanto a sua companhia.
Vou ficar aqui esperando que venha ou quem sabe numa dessas mudanças de vento eu perceba que descer é mais fácil do que subir e se por acaso te encontrar pelo caminho é sinal de que minhas sementes brotaram. Te espero aqui em cima ou te aguardo lá embaixo?
Márcia Toito
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