Sempre que as gratuidades pousam em minhas
palavras,
elas são abençoadas por pássaros e por lírios.
Os pássaros conduzem o homem para o azul,
para as
águas, para as árvores e para o amor.

Ser escolhido por um pássaro para ser a árvore
dele:
eis o orgulho de uma árvore.
Ser ferido de silêncio pelo voo dos pássaros:
eis o esplendor do silêncio.
Ser escolhido pelas garças para ser o rio delas:
eis a vaidade dos rios.

Por outro lado, o orgulho dos brejos é o de
serem escolhidos
por lírios que lhes entregarão a inocência.
(Sei entrementes que a ciência faz cópia de
ovelhas
Que a ciência produz seres em vidros
Louvo a ciência por seus benefícios à
humanidade
Mas não concordo que a ciência não se
aplique em
produzir encantamentos.)
Por quê não medir, por exemplo, a extensão
do
exílio das cigarras ?

Por quê não medir a relação de amor que os
pássaros
têm com as brisas da manhã ?
Por quê não medir a amorosa penetração das
chuvas
no dentro da terra?
Eu queria aprofundar o que não sei, como
fazem os
cientistas, mas só na área dos encantamentos.
Queria que um ferrolho fechasse o meu
silêncio, para
eu sentir melhor as coisas increadas.
Queria poder ouvir as conchas quando elas se
desprendem da existência.

Queria descobrir por quê os pássaros
escolhem
a amplidão para viver enquanto os homens
escolhem
ficar encerrados em suas paredes ?
Sou leso em tratagem com máquina; mas
inventei,
para meu gasto, um Aferidor de
Encantamentos.
Queria medir os encantos que existem nas
coisas sem
importância.

Eu descobri que o sol, o mar, as árvores e os
arrebóis
são mais enriquecidos pelos pássaros do que
pelos
homens.
Eu descobri, com o meu Aferidor de
Encantamentos, que
as violetas e as rosas e as acácias são mais
filiadas dos
pássaros do que dos cientistas.

Porque eu entendo, desde a minha pobre
percepção, que
o vencedor, no fim das contas, é aquele que
atinge
o inútil dos pássaros e dos lírios do campo.
Ah, que estas palavras gratuitas possam agora
servir
de abrigo para todos os pássaros do Brasil!
Manoel de Barros
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