Flor de Lis,
Sem pé nem cabeça – voando pólen. Você. Gosto de seus diálogos secretos e de suas invenções de mim. Quando você me inventa, eu sou. E sou. E sou. Infinitamente sou. Um pouco do que você faz. Suas pétalas. Conto as histórias delas – minhas e suas. As partes de uma flor. Assim:
A primeira pétala diz mal-me-quer. O velho doente com sua perna dormente. Seus olhos mortos. O velho doente pedindo: “Dá-me a tua mão, para que eu me guie até o fim. Até o fim.” Eu não. Faço-me desentendida e corro. Corro aflita nas não-trilhas da floresta – frágil ninfa.
A segunda pétala diz bem-me-quer. E eu entendo que ao velho não devo perguntar sobre o passado. Porque quanto mais o tempo passa, mais pecados. E um tal amor insiste que o conhecimento pode nos levar à vileza. À vingança. Ao medo. O velho, então, é hoje. Hoje, cego e frágil, e a perna dormente. Não pergunto. Se ele, em seus tempos vis, já cegou, matou, feriu, violou, destruiu. Não pergunte, Flor de Lis. Dê a mão e entenda: a vida é hoje. Sem história. Sem pecado.
A terceira pétala é silêncio. Não diz. É a voz sem palavras da criança que chora. Implora. Deseja. Treme. Da criança que, em seu colo, é você. E, mais tarde, torna-se a si mesma – quando a palavra nasce. Quando a palavra pode dizer mal-me-quer, bem-me-quer e pode pecar. A terceira pétala é grito. Mas parece silêncio. Porque a gente não entende a voz que não palavreia.
Mas à criança, sim, pergunte sobre o futuro. E o passado e o presente e todos os tempos sem nome que nos marcam a pele. Você não correrá o risco de ouvir uma resposta. E seguirá inventando melodias suas – e dele. Ele é todos os tempos do mundo. Você também.
Eu dei a mão ao velho porque aprendi que pecado não existe. E que o tempo varre as partes da história que são de cada um. A história é toda e marca o corpo da terra. Da terra de todos nós.
Nossos pecados. Do velho que já feriu.
Nossos desejos. Da criança que vai nascer.
Despeço-me sem, de fato, entender,
Polímnia
Carla Jaia
BAILE DE MÁSCARAS
Nenhum comentário:
Postar um comentário