Dei um tiro no meu coração. Matei-o dentro desta noite chuvosa, quase madrugada, após ter me encharcado de álcool, saudade, lágrima e amor não correspondido.
Agora meu coração jaz no ladrilho da cozinha, entre panelas, lixo, garrafas, copos e talheres; ele, ali exposto, vermelho, inútil e inerte. Matei-o com um estampido suave, coloquei silenciador, ele nem gritou, pego de surpresa, mas o expurguei de mim, esse coração, quando, quase louco, bêbado de álcool e saudade e tristeza e lágrima e solidão, lembrei-me desta arma na gaveta do criado-mudo, para momentos como este, matar corações sofredores. Claro, antes analisei as facas e adagas e punhais e canivetes; desinfetei-os, fiz tentativas vãs em certas noites, certos dias, mas esse coração, bandido, pressentia, me enganava com mimos, momentos, poemas, promessas, dias quase felizes.
Não vou chorar a morte do meu coração, quero é enterrá-lo logo, de manhã bem cedinho em alguma curva, algum jardim, ou melhor, darei meu coração ao primeiro que aparecer, que o queira, para usar e abusar, porque esse coração está morto, sem emoções, ateu.
Tenho um coração que é uma falésia, agora. Um coração oco. Abissal. Uma rocha.
Franck Santos, em FOGO-FÁTUO
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