Por alguns instantes fiz parte de novo daquela vida entregue ao destino há duas estações. Passei pela porta da sala e deixei o cheiro da flor, agora bem fraco, invadir a alma confiada ao que já nos era previsto. Tudo estava lá como antes deixara. As paredes ainda guardavam cada quadro milimetricamente instalado, em cada canto encaixavam-se os mesmos móveis, tudo em seu antigo e devido lugar. Nos cômodos o vazio das lembranças, do desejo antigo, do reencontro, do primeiro beijo, do amor proibido, dos grandes planos e expectativas, do temor ao passado, de todos os sonhos adiados. Do meu reflexo no espelho dava para ver, nitidamente, o que já não mais cabia lá. Da rua ainda vinha o ruído dos carros passando e o mesmo rangido no portão. Era a vida que continuava lá fora. Era sua vida que já seguia, agora sem mim, aqui dentro.
Flávia Vida
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