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quinta-feira, 14 de julho de 2011

CRAYON

faur5

Eu podia falar do tempo mas, tenho medo que me ouça e de castigo passe ainda mais corrido. Saturno nunca teve fama de bondade. Falarei então de certas cores que vão esmaecendo sob o efeito das repetições. Muda o tempo, conforme a virada das ampulhetas das estações, quatro damas distintas que em procissão renovam as energias da natureza, de toda natureza. Trazem na barra dos vestidos mais ou menos poeira, frio, lembranças, outras cores, calor, morte, regeneração, certos bichos que pousam nos quadros e se alimentam deles. Tudo passa sobre as telas cujas cores que vão esmaecendo. 

As Estações passam, inexoráveis, acenando sua presença e despejando todos esses elementos sobre as cores das imagens que carregamos.

Cansadas de serem intensas, cada qual no seu grau, as cores pedem pra sentar, vão fechando os olhos aos poucos, querendo dormir, e a luz que outrora exibiam portentosas, vai cedendo até partir, deixando sobre tudo a morbidez pálida de vida que se despede demoradamente. 

Antes que chegue essa hora, antes que se configure despedida, as cores pedem água, mas poucos escutam, elas pedem retoque, restauração, brilho, luz, mais, sempre mais e de novo. Se é de repetição que morrem, claro que só lá encontram o antídoto. Todavia, discretas que são, elas pedem baixinho, posto que não são de muito barulho as cores, o grito mudo que escandaliza os olhos vem com força na Estação cujo maior volume é o da brisa branda que se esfrega sutil nos lóbulos desarmados.

Tudo elas fazem antes de pedirem pra sentar, avisando bastante que se não vigiadas mudam-se para outras alvoradas. Relegadas aos processos naturais as cores naturalmente morrem sem a dieta daqueles já mencionados três nacos de ternura, sem a repetição das palavras que encarnam sonhos, cheias da ausência dos rituais lustradores das íris, são os olhos o filtro a tornar as cores de dentro e de fora opacas e sem gosto, ou brilhantes e renovadas. 

As cores que ora vejo desmaiarem pedem numa ladainha rançosa que olhe para elas, que tome tua aquarela nas mãos e traga-as de volta, as cores de mim. Salve-as com o amarelo das declarações amorosas, olha nos meus olhos com a intensidade dos solventes mais poderosos e acaba com minhas dúvidas, toma a tela que compartilhamos e avermelhe-a com a língua despertadora da insensatez pura querendo escorrer por todo o espaço, mais nada. Saca, discretamente do avental, um tempo para deter-se no carinho róseo-delicado arrepiador de nucas, tira de mim o modelo para tuas fantasias, faz brilhar meus cabelos com o viço do verde que é tua admiração. São tuas as cores que colorem metade das cores de mim. Se for ficar, volta logo, estou secando de saudade.

Elis Barbosa

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