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quinta-feira, 10 de março de 2011

ABRINDO ESPAÇO

Sempre me encantava, quando criança,
ver embarcações desaparecerem na linha do horizonte,
até onde meus olhos podiam enxergar ...
Acreditava que elas sumiam para sempre,
via como criança, com beleza e imaginação
e pensava que ali era o fim ...
E ficava lá, à deriva do mundo,
olhando o diminuir dos barcos.
O tempo passou, eu cresci e entendi
que o diminuir não era de verdade,
que no ponto onde eles sumiam, não sumiam de fato
e tudo que eu via era pelo olhar bonito e puro
de quem ainda não aprendera sobre certos limites.
 O tempo passou, eu cresci e descobri que eles,
os barcos, diminuem para nossos olhos
à medida em que crescem para outros olhos;
que somem para nós, para surgir para alguém que,
em algum lugar, divide conosco
o ato mágico de velar o mar.
Tudo isso veio à memória,
porque estava lendo Clarice Pínkola,
e ela fala no ciclo da vida-morte-vida,
que morremos e nascemos muitas vezes,
às vezes num mesmo dia, numa mesma semana,
num mesmo mês, na mesma vida.
Fala que morte não é prenúncio do fim, mas de um início,
e mais, diz que é nossa a tarefa de matar,
matar algo para permitir que uma nova vida venha.
Matar dentro de nós.
Questão de espaço.
Faz sentido.
É que não comportamos tudo.
Não há espaço para tanto sentir.
E quando insistimos em manter vivos
certos sentimentos através de respiração artificial,
não há espaço para nascer nada de novo.
Então temos que abrir o baú
e matar dentro de nós mágoas,
dores – velhas ou novas, moções empoeiradas,
vícios humanos, escolhas erradas,
ferimentos mantidos sangrando, decepções,
conceitos obliterados, amores infelizes,
imagens amareladas, relacionamentos passados,
tristezas, amarguras, pessoas ...
E por aí vai ...
A lista é individual, cada um tem a sua.
O que é comum a todos é a responsabilidade de,
interiormente, exterminar, dar fim ao que é ruim
para que algo novo e bom nasça.
É fácil? Não mesmo.
A aparência de qualquer morte é sempre feia
e matar internamente não é simples impulso,
é decisão pensada, medida e avaliada.
É fato que temos sempre a opção
de continuar achando que os barcos do sentir
seguem seu curso e, chegada a hora,
ultrapassando a linha do horizonte do coração,
morrerão por si só.
Mas, na verdade isso significa manter
no nosso âmago tudo até o lixo - que amealhamos,
em arquivos abarrotados que crescem e crescem
embotando a vida, e nos enganarmos dizendo:
são arquivos mortos.
É isso ou então encaramos a megera
e aprendemos a matar.
O que deverá morrer em mim hoje?
Essa é a pergunta que ela sugere para começar.
E eu , com a experiência de observadora criança,
humildemente acrescento:
não basta escolher dentro de nós o que vai morrer,
e em seguida matar.
É preciso enterrar.
Porque às vezes o que nos fez mal
já está pra lá de morto,
mas mantemos mumificado dentro de nós,
para usarmos como referencial,
para não esquecermos do que sofremos
e não cairmos de novo nas mesmas armadilhas.
Outro engano.
Nada é igual nunca e dores embalsamadas
não servem como exemplo, nem protegem, só paralisam.
Não há fórmula.
Não há bulas.
A única maneira de viver é permitir que a vida
nasça e morra e de novo nasça,
tantas vezes quanto forem necessárias...
Portanto, para abrir os espaços
é necessário nos fazermos perguntas.
E uma vez identificado o que não é bom
e não nos serve mais, devemos dar-lhe a morte.
Em seguida enterremos nosso morto,
choremos um pouco, e, cumprido ritual,
vistamo-nos com esmero para esperar ...
Algo bom estará nascendo.
E agora?
Agora o mundo real chama, a vida grita, o tempo urge
e eu, buscando palavras para encerrar a crônica,
relembro que o fim é uma questão relativa,
mas necessária.
E olhando da janela para o horizonte que parece ser o fim,
mas é também o princípio, finalizo para poder
(RE)COMEÇAR
Maine Virgínia Carvalho

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